segunda-feira, 7 de julho de 2008

Terremoto devastador

A tragédia das crianças

Terremoto no sudoeste da China destrói cidades e se mostra
particularmente devastador para os mais jovens. Pelo menos
oito escolas desabaram, soterrando milhares de estudantes
(Duda Teixeira)

ESPERANÇA
Menina aguarda o resgate sob os escombros de escola na cidade de Beichuan: tremor de 7,9 pontos ocorreu durante as aulas da tarde.
A tragédia na China tem uma face predominante: a de milhares de crianças e adolescentes soterrados pelos tijolos e vigas de concreto de suas escolas, destruídas pelo terremoto. No início da tarde de segunda-feira da semana passada, dia 12, quando ocorreu o abalo sísmico de 7,9 pontos na escala Richter, com epicentro a 1 500 quilômetros de Pequim, os estudantes estavam em horário de aula. Durante dois minutos, tempo que durou o tremor, oito escolas desabaram sobre a cabeça de professores e alunos. Eram construções projetadas para resistir a um tremor com no máximo um quinto da força do ocorrido na semana passada. Na sexta-feira, havia pouca esperança de que os 850 estudantes sob os escombros de uma escola na cidade de Dujiangyan pudessem ser resgatados com vida. Apenas cinqüenta foram salvos. Em Qingchuan, um colégio de três andares veio abaixo quando as crianças tiravam um cochilo. Quase 200 morreram.
No que sobrou dos prédios, voluntários tentavam retirar os corpos com as próprias mãos, debaixo de uma chuva que durou dois dias. Pais e avós cercavam os escombros à espera de notícias. Na quinta-feira, quando as chances de encontrar sobreviventes se esvaíam e as equipes de resgate já usavam máscara cirúrgica para abrandar o cheiro dos corpos em decomposição, alguns pais ainda insistiam em vasculhar os destroços na esperança vã de encontrar os filhos. Em um país que adota a política do filho único e multa os casais que violam a regra, as cidades mais afetadas pelo terremoto praticamente perderam uma geração inteira de seus cidadãos. Na sexta-feira, o número oficial de mortos estava em 22 000. O governo estimava que pode passar de 50.000 quando as buscas terminarem.
O terremoto, o mais destruidor dos últimos 32 anos na China, ocorreu com a movimentação das rochas a uma profundidade de 19 quilômetros. Liberou energia equivalente a 900 bombas atômicas como a que destruiu Hiroshima. Um rasgo de no mínimo 250 quilômetros abriu-se sob a superfície do solo. Nas cidades localizadas em cima da falha geológica onde ocorreu o epicentro do abalo, 85% dos edifícios ruíram. Em Dujiangyan, as encostas das montanhas cederam, alterando completamente a paisagem. Ao todo, 10 milhões de pessoas foram afetadas, a maioria na província de Sichuan. A três meses do início das Olimpíadas de Pequim, com as quais o país pretende expor-se como uma potência em ascensão, o governo chinês tinha razões redobradas para socorrer as vítimas com rapidez e eficiência. Mais de 100.000 soldados foram enviados à região. Impossibilitados de chegarem ao local em helicópteros, devido à chuva forte, ou em caminhões, pois as estradas estavam destruídas, os soldados seguiram a pé em direção às áreas mais afetadas. A cidade mais próxima do epicentro, Wenchuan, só foi alcançada pelas tropas dois dias depois do tremor. Em Yingxiu, somente 2.300 dos 10.000 habitantes foram encontrados vivos. Gu Qinghui, representante da Cruz Vermelha, disse a um canal de televisão: "Eu acabei de voltar de Beichuan esta manhã. Não existe mais Beichuan". Nenhum dos edifícios da cidade passou incólume aos tremores.
(Andy Wong/AP)

As cenas do terremoto de Sichuan foram transmitidas ininterruptamente pelos canais de televisão chineses. Um dos casos que comoveram o país foi o da adolescente Yang Liu, que ficou presa pelas pernas sob os blocos de concreto de sua escola, de quatro andares, em Mianzhu. Liu ganhou um capacete de proteção e, por três dias, recebeu alimentos e água das equipes de resgate. Remover os blocos que a prendiam, no entanto, faria com que todo o restante viesse abaixo e ela acabaria morrendo. Na quinta-feira, os médicos amputaram as pernas da menina no próprio local, em uma operação que durou vinte minutos. A presteza do governo chinês em se esforçar nos resgates e a divulgação da tragédia em cadeia nacional marcam uma mudança considerável na política do Partido Comunista. Horas após o terremoto ter pulverizado as cidades, o primeiro-ministro Wen Jiabao voou de helicóptero à província de Sichuan para acompanhar os trabalhos de resgate e dizer que o país aceitaria de bom grado ajuda internacional. "Aqui é o vovô Wen Jiabao. Aguardem, crianças, que vocês serão resgatadas", disse ele sobre os escombros de uma escola.
Tal comportamento seria inimaginável em 1976, quando um terremoto atingiu Tangshan, a 155 quilômetros de Pequim. Naquele ano, a China vivia os últimos suspiros da revolução cultural de Mao Tsé-tung. A própria existência da catástrofe foi negada por vários meses. Os sucessores de Mao recusaram ajuda estrangeira e deixaram o resgate das vítimas a cargo de soldados mal equipados. O número oficial de mortos só foi conhecido três anos depois: 240 000. Estrangeiros foram proibidos de chegar ao local durante sete anos. Em 1975, quando inundações no Rio Huai mataram 30 000 pessoas, as rotas dos aviões eram desviadas para que os passageiros não vissem a destruição.
A diferença em lidar com a tragédia se deve às mudanças profundas pelas quais o país passou desde então. Com o capitalismo, a China de hoje é mais de dez vezes mais rica. O país, assim, tem mais recursos para mobilizar helicópteros, soldados e enviar remédios e alimentos às vítimas. A abertura econômica também tem obrigado a ditadura de partido único a se preocupar com a imagem internacional do regime. Há dois meses, por exemplo, a comoção mundial que se seguiu à repressão, pelo governo chinês, dos protestos de monges tibetanos incluiu até a perseguição global à tocha olímpica. O episódio lembrou aos dirigentes chineses quanto a opinião internacional importa a um país que busca seu lugar entre os grandes. "O governo já aceitou negociar com o líder tibetano Dalai-Lama, vai promover eleições locais e está aumentando a liberdade dentro do partido comunista", disse a VEJA o especialista chinês em relações internacionais Dali Yang, diretor do Instituto Asiático de Cingapura. "Muitas vezes o governo volta atrás em alguns avanços, mas há uma tendência geral de abertura."
No caso do terremoto, a China adotou uma postura de humildade e aceitou receber ajuda de equipes de resgate do Japão, da Rússia, de Cingapura, da Coréia do Sul e até mesmo de Taiwan, país cuja soberania não reconhece. Os chineses querem evitar a todo custo um adiamento nas Olimpíadas de Pequim. Antecedentes para isso havia. Quando o vírus da síndrome respiratória aguda (Sars) fez as primeiras vítimas na Ásia, por exemplo, a sede da Copa do Mundo de futebol feminino de 2003 foi transferida da China para os Estados Unidos. O drama causado pelo terremoto levou a uma decisão menos radical do comitê olímpico: resumiu-se a reduzir pela metade o percurso da tocha olímpica no país e eliminar os discursos previstos para o trajeto. A 650 quilômetros do epicentro do terremoto, outro país asiático dá uma amostra de como não lidar com uma calamidade natural. Duas semanas após um ciclone com ventos de 190 quilômetros deixar 100 000 mortos em Mianmar, a ditadura militar que governa o país continua se recusando a receber a ajuda de equipes de resgate estrangeiras. Os alimentos doados por organizações internacionais são simplesmente confiscados pelo regime, sem chegar aos desabrigados. A ditadura de Mianmar é a ditadura da China de trinta anos atrás.
(Com reportagem de Alexandre Salvador Publicidade)(veja).

Nenhum comentário: